Renato Silva

A Libras como expressão da identidade surda: cultura, pertencimento e protagonismo

Imagine viver em um mundo onde sua língua natural é invisível para a maioria das pessoas ao seu redor. Onde a luta pela compreensão é constante e suas experiências e perspectivas são frequentemente ignoradas. Difícil, não é? Essa é a realidade de muitos surdos no Brasil.
A Língua Brasileira de Sinais (Libras) vai muito além de um simples meio de comunicação. Ela é um pilar essencial da identidade e da cultura surda, proporcionando não apenas interação, mas também pertencimento a uma comunidade autêntica e historicamente rica. A identidade surda é marcada por experiências únicas, vivências compartilhadas e uma cultura própria que precisa ser reconhecida e valorizada.
Quando o sujeito surdo tem acesso à Libras desde cedo, ele encontra um espaço de reconhecimento, autoafirmação e construção da autoestima. Mais do que um recurso linguístico, a Libras representa autonomia e a possibilidade de expressão significativa, sem barreiras ou adaptações forçadas. No entanto, em muitos contextos essa língua ainda é invisibilizada ou tratada como secundária, o que compromete o pleno desenvolvimento da pessoa surda.
À medida que a Libras é valorizada, as pessoas surdas passam a se reconhecer como parte de uma cultura legítima, com história e protagonismo. Esse reconhecimento fortalece sua identidade e lhes dá confiança para enfrentar desafios diários. Poder aprender e interagir em sua própria língua motiva esses sujeitos a explorar o conhecimento, buscar novas oportunidades e se desenvolver significativamente. É no contexto educacional que a educação bilíngue para surdos ganha força, sendo oficialmente reconhecida como uma modalidade de ensino pela Lei 14.191/2021.
A valorização da Libras transcende o ambiente escolar. Ela abre portas para a participação ativa dos surdos na sociedade e no mercado de trabalho. Um indivíduo surdo que domina a Libras tem maior facilidade de acessar informações, desenvolver habilidades e construir um futuro profissional sólido. Empresas e instituições que investem em acessibilidade linguística e contratam profissionais surdos não apenas promovem inclusão, mas também enriquecem seus ambientes de trabalho com diversidade cultural e novas perspectivas. Além disso, a Libras possibilita conexões interpessoais valiosas, promovendo empatia e respeito entre surdos e ouvintes.
A promoção e difusão da Libras não devem ser uma responsabilidade exclusiva da comunidade surda. É dever de toda a sociedade reconhecer essa língua como parte do patrimônio cultural brasileiro e garantir seu ensino de forma ampla e significativa. Isso exige investimentos na formação e capacitação contínua de professores para atender às demandas dos alunos surdos, fortalecendo práticas pedagógicas bilíngues que promovam inclusão e equidade no processo educacional.
É essencial que essas formações considerem as especificidades linguísticas, culturais e identitárias dos surdos, proporcionando um ambiente de aprendizado que respeite e valorize sua identidade. Isso inclui a formação de professores bilíngues e a capacitação de intérpretes, garantindo o direito à comunicação plena para todas as pessoas surdas.
A Libras é um símbolo de resistência, identidade e pertencimento. Mais do que um meio de comunicação, ela representa a dignidade de uma comunidade que tem muito a ensinar e a contribuir. Valorizar a Libras é reconhecer que a diversidade linguística é um direito fundamental, e que todas as pessoas merecem ser vistas, ouvidas e respeitadas em sua totalidade.
É hora de ampliar essa discussão e garantir que a Libras ocupe o espaço que merece em nossa sociedade. Afinal, quando uma língua é valorizada, toda uma cultura se fortalece.
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Renato Silva é Professor, Tradutor e Intérprete de Libras, especialista em Educação Especial/Inclusiva e Neuropsicopedagogia Clínica e Institucional. Além disso, é CEO do Instituto Bacabalense de Libras (IBALI), dedicando-se à acessibilidade linguística e a valorização da Língua Brasileira de Sinais.
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