Raimundo Sirino

Da roça à mesa: como a Agricultura Familiar garante a segurança alimentar no Brasil

No coração do Brasil, um dos maiores exportadores de commodities agrícolas do mundo, convive-se com um paradoxo alarmante: enquanto o país alimenta mercados globais com soja, milho e carne, milhões de brasileiros enfrentam a insegurança alimentar. A agricultura familiar, responsável por 70% dos alimentos consumidos no país, é a principal protagonista dessa contradição.
Esses pequenos produtores, que cultivam feijão, mandioca, hortaliças e outros alimentos básicos, são a espinha dorsal da segurança alimentar nacional, mas enfrentam desafios estruturais que limitam seu potencial. A concentração de terras, a falta de acesso a crédito e tecnologias modernas, além dos impactos das mudanças climáticas, são obstáculos que ameaçam não apenas a subsistência desses agricultores, mas também a estabilidade alimentar de todo o país.
A segurança alimentar, conceito que vai além da simples disponibilidade de comida, envolve o acesso regular a alimentos de qualidade, a sustentabilidade ambiental e a estabilidade econômica dos produtores. No Brasil, esse conceito está intrinsecamente ligado à agricultura familiar, que abastece mercados regionais e reduz a dependência de importações. No entanto, os dados são preocupantes: entre 2014 e 2020, o número de brasileiros em situação de insegurança alimentar saltou de 37,5 milhões para 61,3 milhões, segundo a FAO. Esse agravamento está diretamente relacionado ao enfraquecimento de políticas públicas e aos cortes orçamentários em programas essenciais, como o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) e o apoio à assistência técnica rural.
Apesar dos desafios, a agricultura familiar continua sendo uma esperança para o futuro da segurança alimentar no Brasil. Programas como o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), que destina 30% dos recursos para alimentação escolar à compra de produtos da agricultura familiar, mostram que é possível fortalecer essa conexão.
Em 2021, mais de R$ 1,5 bilhão foram investidos nessa iniciativa, beneficiando milhares de pequenos produtores e garantindo refeições saudáveis para milhões de estudantes. Com políticas públicas robustas, acesso a tecnologias sustentáveis e a valorização dos mercados locais, a agricultura familiar pode se consolidar como a base de um sistema alimentar mais justo e resiliente. Em um país marcado por contrastes, a luta contra a fome passa, necessariamente, pelo fortalecimento desse setor.
Conceitos Fundamentais no Brasil
No Brasil, a agricultura familiar é definida como o cultivo da terra realizado por pequenos produtores rurais que dependem principalmente da mão de obra da própria família. Esses agricultores são responsáveis por uma parcela significativa da produção de alimentos básicos no país, como feijão, mandioca, milho e hortaliças, além de desempenharem um papel crucial na preservação de tradições culturais e na manutenção da biodiversidade. Diferente da agricultura em larga escala, voltada para commodities de exportação, a agricultura familiar se caracteriza pela diversificação de cultivos, pelo uso mais sustentável dos recursos naturais e por uma forte conexão com as comunidades locais.
Já a segurança alimentar refere-se ao acesso regular e permanente a alimentos de qualidade, em quantidade suficiente, sem comprometer outras necessidades essenciais. No contexto brasileiro, esse conceito está intrinsecamente ligado à agricultura familiar, que abastece mercados regionais e contribui para a redução da dependência de importações.
A segurança alimentar não se limita à disponibilidade de comida, mas engloba também a estabilidade econômica dos produtores e a sustentabilidade ambiental, pilares que a agricultura familiar ajuda a fortalecer. Assim, esses dois conceitos se entrelaçam, formando a base de um sistema alimentar mais justo e resiliente no país.
A falta de alimentos é um desafio global com raízes locais
A falta de alimentos é um problema persistente que afeta milhões de pessoas em países subdesenvolvidos, incluindo o Brasil. Refere-se a esse tema como a falta de acesso regular a alimentos nutritivos e em quantidade suficiente, o que gera uma crise com raízes complexas, que vão desde a desigualdade social até os impactos das mudanças climáticas.
A agricultura familiar, principal fonte de sustento para muitas comunidades rurais, enfrenta desafios como a falta de acesso a crédito, insumos agrícolas e tecnologias modernas. Essas limitações reduzem a produtividade e a capacidade dos pequenos agricultores de garantir o abastecimento local, agravando a insegurança alimentar em regiões já vulneráveis.
No Brasil, a situação é paradoxal: o país é um dos maiores exportadores de commodities agrícolas do mundo, mas ainda convive com bolsões de fome e desnutrição. A concentração de terras e a priorização de cultivos voltados para a exportação, como soja e milho, muitas vezes marginalizam a agricultura familiar, responsável por 70% dos alimentos consumidos pelos brasileiros. Conflitos fundiários, a falta de políticas públicas eficazes e a degradação ambiental são obstáculos adicionais que impedem os pequenos produtores de alcançar seu potencial pleno. Como resultado, comunidades rurais e periferias urbanas sofrem com a escassez de alimentos frescos e nutritivos.
Em outros países subdesenvolvidos, especialmente na África Subsaariana e no Sul da Ásia, a agricultura familiar também enfrenta desafios semelhantes. Mudanças climáticas, como secas prolongadas e enchentes, devastam colheitas e ameaçam a subsistência de milhões de pequenos agricultores. A falta de infraestrutura e de acesso a mercados dificulta o escoamento da produção, enquanto conflitos armados e deslocamentos populacionais exacerbam a crise alimentar. Esses fatores combinados criam um ciclo vicioso de pobreza e fome, onde a agricultura familiar, apesar de seu potencial, não consegue desempenhar seu papel de garantidora da segurança alimentar.
No entanto, a agricultura familiar também emerge como parte da solução. Investimentos em políticas públicas, como acesso a crédito, assistência técnica e infraestrutura rural, podem fortalecer os pequenos produtores e aumentar a resiliência das comunidades. Além disso, práticas agroecológicas e a valorização de mercados locais podem promover sistemas alimentares mais sustentáveis e inclusivos. No Brasil e em outros países, a agricultura familiar não é apenas vítima da insegurança alimentar, mas também uma peça-chave para superá-la, desde que receba o apoio necessário para florescer.
Agricultura Familiar no Brasil entre desafios e esperanças para a segurança alimentar
No Brasil, a agricultura familiar é um pilar essencial para a segurança alimentar, responsável por grande parte dos alimentos que chegam à mesa da população. Dados do Censo Agropecuário de 2017, realizado pelo IBGE, revelam que os pequenos agricultores representam 77% dos estabelecimentos rurais do país e ocupam apenas 23% da área agrícola. No entanto, produzem 67% do feijão, 60% do leite, 50% das aves e 34% do arroz consumidos nacionalmente. Esses números destacam a eficiência de um setor que, mesmo com recursos limitados, sustenta a alimentação básica de milhões de brasileiros.
Programas públicos têm sido fundamentais para fortalecer essa conexão entre a agricultura familiar e a segurança alimentar. Um exemplo emblemático é o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), que desde 2009 determina que 30% dos recursos para alimentação escolar sejam destinados à compra de produtos da agricultura familiar. Em 2021, segundo o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), mais de R$ 1,5 bilhão foram investidos nessa iniciativa, beneficiando milhares de pequenos produtores e garantindo refeições saudáveis para milhões de estudantes. Essa política não só estimula a economia local, mas também promove a diversificação alimentar e o acesso a produtos frescos, essenciais para combater a desnutrição.
Apesar de seu papel crucial, a agricultura familiar enfrenta desafios que ameaçam sua capacidade de contribuir para a segurança alimentar. Segundo a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), entre 2014 e 2020, o número de brasileiros em situação de insegurança alimentar saltou de 37,5 milhões para 61,3 milhões. Esse agravamento está diretamente ligado ao enfraquecimento de políticas públicas, como cortes orçamentários no Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) e a redução de investimentos em assistência técnica rural. Além disso, os efeitos das mudanças climáticas, como secas prolongadas e enchentes, têm impactado severamente a produção, especialmente nas regiões Nordeste e Centro-Oeste, onde a agricultura familiar é mais presente.
Ainda assim, o setor segue como uma esperança para o futuro da segurança alimentar no país. De acordo com a Conab (Companhia Nacional de Abastecimento), em 2022, os agricultores familiares foram responsáveis por 40% do valor bruto da produção agropecuária nacional, gerando emprego e renda para mais de 10 milhões de pessoas. Especialistas defendem que, com políticas públicas robustas, acesso a tecnologias sustentáveis e valorização dos mercados locais, a agricultura familiar pode se consolidar como a base de um sistema alimentar mais justo e resiliente. Em um país marcado por contrastes, ela não é apenas uma alternativa viável, mas uma necessidade urgente para combater a fome e construir um futuro mais sustentável.
Dessa forma, pode-se concluir que a agricultura familiar no Brasil emerge como um dos pilares fundamentais para a segurança alimentar, desempenhando um papel crucial na produção de alimentos básicos que chegam à mesa de milhões de brasileiros. Apesar dos desafios enfrentados, como a falta de acesso a crédito, insumos modernos e os impactos das mudanças climáticas, os pequenos agricultores têm demonstrado uma notável capacidade de resiliência e eficiência.
Programas públicos, têm sido essenciais para fortalecer essa conexão, promovendo a economia local e garantindo refeições saudáveis para estudantes. No entanto, o enfraquecimento de políticas públicas e os cortes orçamentários podem agravar a insegurança alimentar em um país que paradoxalmente é um dos maiores exportadores de commodities agrícolas do mundo.
Olhando para o futuro, a agricultura familiar não é apenas uma alternativa viável, mas uma necessidade urgente para combater a fome e construir um sistema alimentar mais justo e sustentável. Com investimentos robustos em políticas públicas, acesso a tecnologias sustentáveis e a valorização dos mercados locais, os pequenos produtores podem consolidar seu papel como garantidores da segurança alimentar.
Em um contexto global marcado por crises climáticas e desigualdades sociais, o Brasil tem a oportunidade de liderar pelo exemplo, mostrando que a agricultura familiar pode ser a chave para um futuro mais resiliente e inclusivo. A esperança está em reconhecer e fortalecer esse setor, transformando desafios em oportunidades para garantir que nenhum brasileiro passe fome.
Crédito das fotos: Movimento Nacional ODS (2022); Minvervino Junior/CB/DA Press
_______________________________________
Raimundo Sirino Rodrigues Fiho é Engenheiro Agrônomo, Pesquisador, Extensionista Rural e Professor Universitário.
COMENTÁRIOS