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Bacabal,24/04/2025

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Renato Silva

Educação de surdos: inclusão ou bilinguismo?

Uma análise à luz de Foucault

Fernando Frazão/Agência Brasil
Educação de surdos: inclusão ou bilinguismo?

A discussão sobre a educação de surdos no Brasil tem oscilado entre dois modelos predominantes: a educação inclusiva, que defende a inserção do estudante surdo na escola comum com adaptações e apoios, e a educação bilíngue, que reconhece a Língua Brasileira de Sinais (Libras) como primeira língua (L1) e o português como segunda língua (L2). Essa tensão revela não apenas um embate pedagógico, mas sobretudo uma disputa de discursos, saberes e poderes que regulam o modo como a surdez é percebida e como o sujeito surdo é posicionado na sociedade. Nesse sentido, a abordagem de Michel Foucault em A Ordem do Discurso oferece ferramentas teóricas fundamentais para compreender as forças que operam por trás dessas escolhas educacionais.

Segundo Foucault, o discurso é mais do que expressão de ideias: ele é um instrumento de poder que organiza a sociedade por meio de mecanismos de exclusão, controle e regulação do saber. No contexto da educação de surdos, a hegemonia do discurso médico-patológico historicamente silenciou a perspectiva cultural e linguística da surdez, reforçando práticas de oralização e adaptação do surdo à norma ouvinte. Esse tipo de discurso se legitima por meio do que o autor denomina “vontade de verdade” a ideia de que certos saberes são considerados mais válidos ou científicos, enquanto outros são marginalizados ou tidos como inadequados.

A defesa da educação inclusiva, muitas vezes amparada em ideais humanistas, pode ser interpretada como um desses discursos que, apesar de parecerem emancipatórios, mantêm o sujeito surdo em uma posição subordinada, ao priorizar o acesso à língua portuguesa e negligenciar o pleno desenvolvimento da Libras como língua de instrução. A escola regular, nesse modelo, tende a funcionar como um espaço normativo, onde o surdo deve se adaptar à estrutura pensada para ouvintes, em vez de ter sua singularidade linguística respeitada e potencializada.

Por outro lado, o discurso bilíngue emerge como uma contraposição a essa lógica, buscando romper com o regime de verdade dominante que associa a normalidade à oralidade. A educação bilíngue propõe uma nova ordem do discurso, na qual a Libras ocupa um lugar central na constituição da identidade e da cognição do sujeito surdo. Esse modelo valoriza a diferença, reconhece o surdo como membro de uma minoria linguística e propõe uma pedagogia que parte de sua experiência visual e cultural. Nesse caso, não se trata apenas de uma mudança metodológica, mas de uma reconfiguração dos saberes e das vozes autorizadas a falar sobre a surdez.

Foucault nos adverte que todo discurso carrega em si estruturas de poder. Assim, ao analisar as políticas educacionais, é preciso questionar: quem tem o direito de dizer o que é melhor para o sujeito surdo? Quais discursos são legitimados nos documentos oficiais, nas formações docentes, nas diretrizes pedagógicas? E, sobretudo, como dar lugar ao próprio sujeito surdo como produtor de discurso, rompendo com a tradição que o posiciona como objeto de intervenção?

Dessa forma, o debate entre educação inclusiva e educação bilíngue não pode ser reduzido a uma questão de escolha pedagógica, mas deve ser compreendido como um embate entre formas de ver, dizer e tratar a diferença. A partir da crítica foucaultiana, é possível concluir que o modelo bilíngue, ao reconhecer a língua de sinais como legítima e fundante do processo educativo, não apenas inclui, mas empodera, pois resgata o direito ao discurso e à representação por parte de quem historicamente foi silenciado.

Portanto, mais do que promover a inclusão nos moldes tradicionais, é urgente que se reconfigure a ordem do discurso na educação, permitindo que novas vozes e saberes ocupem o espaço da escola. Apenas assim será possível construir uma educação verdadeiramente justa, plural e sensível às singularidades humanas.

_________________________

Renato Silva é Professor, Tradutor e Intérprete de Libras, especialista em Educação Especial/Inclusiva e Neuropsicopedagogia Clínica e Institucional. Além disso, é CEO do Instituto Bacabalense de Libras (IBALI), dedicando-se à acessibilidade linguística e a valorização da Língua Brasileira de Sinais.




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